História Filosófica do Gênero Humano – Fabre D’Olivet

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A obra que ora publico sobre o estado social do homem pretendia, de início, ser parte de um trabalho mais amplo que eu pensara escrever sobre a história da Terra e de seus habitantes, e para o qual reuni grande quantidade de material. Minha intenção era agrupar sob um mesmo ponto de vista, e dentro de um mesmo panorama, a história geral do globo em que vivemos, segundo as considerações da história natural e política, física e metafísica, civil e religiosa, desde a origem das coisas até seus mais recentes progressos, de modo a expor sem qualquer preconceito os sistemas cosmogônicos e geológicos de todos os povos, suas doutrinas religiosas e políticas, seus governos, costumes, relações diversas, a influência recíproca que têm exercido sobre a civilização como um todo, seus movimentos pela terra e os acontecimentos, felizes ou infelizes, que assinalaram sua existência mais ou menos agitada, mais ou menos longa, mais ou menos interessante, visando a extrair de tudo isso os ensinamentos mais amplos e seguros jamais obtidos até o momento sobre a natureza íntima das coisas e, sobretudo, do homem, a quem tanto nos interessa conhecer.

Quando idealizei este projeto ainda era jovem e pleno daquela esperança que torna a juventude tão presunçosa. Não via qualquer obstáculo capaz de me deter no longo caminho que escolhera percorrer. Dotado de alguma força moral e decidido a realizar um trabalho obstinado, acreditava que nada resistiria ao duplo ascendente da perseverança e do amor à verdade. Dediquei-me então ao estudo com um ardor insaciável, aumentando incessantemente o volume dos meus conhecimentos e sem pensar muito no uso que deles pudesse fazer algum dia. Devo dizer que estava um tanto obrigado, pela minha posição política, à reclusão que tal empenho exigia. Embora não me tivesse de maneira alguma destacado durante a revolução e guardasse eqüidistância dos partidos, alheio a toda briga: toda ambição, eu conhecia o bastante das coisas E dos homens para que minhas opiniões e meu caráter continuassem na obscuridade. E assim foi que circunstâncias alheias à minha vontade acabaram levando-as ao conhecimento de Bonaparte, exagerando ainda mais a seus olhos o que elas pudessem ter de contrário aos seus desígnios. Assim, logo ao pisar o Consulado, o ódio que ele nutria por mim já era bastante para decretar minha proscrição imediata. E foi o que ele fez, incluindo expressamente o meu nome entre o dos duzentos infelizes que mandou para a morte nas costas bravias da África. Se, por obra da Providência, eu escapei a essa proscrição, teria de ser muito prudente enquanto durasse o seu reinado, para fugir às armadilhas que ele pudesse me preparar. Assim, minha inclinação e minha situação coincidiram para fazer-me apreciar o recolhimento e, juntas, conduziram-me aos estudos.

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