A Lenda Formosa
Poemas
Sociedade das Ciências Antigas
A Lenda Formosa
Sozinho em sua cela,
ajoelhado no chão de pedra,
o monge rezava em profunda contrição
por seus pecados de indecisão.
Rezava por maior renúncia
na tentação e na provação
o mostrador meio dia marcava
e o monge sozinho em sua cela estava.
De repente, como num relâmpago,
um desusado esplendor iluminou
tudo dentro e fora dela,
E nessa estreita cela de pedra ficou;
e ele teve a Abençoada Visão
de Nosso Senhor, com a Luz do Eliseu
como um manto envolvendo-O,
como uma veste abrigando-O.
Contudo, este não era o Salvador sofrido,
mas o Cristo que alimentava os famintos
e curava os enfermos.
Em atitude de prece,
as mãos sobre o peito cruzadas,
reverente, adorando, assombrado,
o monge, perdido em êxtase, ficou ajoelhado.
Depois, em meio à sua exaltação,
bem alto e assustador o sino do convento,
em seu campanário chamando, chamando,
por pátios e corredores tangeu
com persistência badalando,
como nunca antes sucedeu.
Esse era o chamado para seu dever
de alimentar os pobres,
como Cristo o fizera,
pois ele era o esmoler da Irmandade.
Profunda angústia e hesitação
misturava-se à sua adoração;
deveria ir, ou deveria ficar?
Poderia os pobres esperando deixar
famintos no portão,
até que se desvanecesse a Visão?
Poderia ele seu brilhante hóspede desfeitear?
Seu visitante celestial desconsiderar
por um grupo de esfarrapados, bestiais
mendigos no portão do convento?
Será que a Visão esperaria?
Será que a Visão voltaria?
Então, uma voz dentro do seu peito
audível e clara sussurrou,
e ele, externamente escutou:
Cumpre teu dever; isso é o certo,
deixa aos cuidados do Senhor o resto!
Imediatamente pôs-se de pé,
e com um ardente e decidido olhar
dirigido à Abençoada Visão,
lentamente deixou sua cela,
lentamente foi cumprir sua missão.
No portão, os pobres estavam esperando
através do gradil de ferro olhando,
com esse terror no olhar
que só se vê naqueles
que no meio de suas misérias e desgraças
ouvem o som de portas a se fechar,
e de passos que deles correm;
com o desdém familiarizados,
com o sabor acostumados
do pão pelo qual os homens morrem!
Mas hoje, sem o porque saber,
como a porta do Paraíso
parecia-lhes a porta do convento ser!
E como um divino Sacramento
parecia-lhes o pão e o vinho do convento!
Em seu coração o Monge estava orando,
nos pobres sem teto pensando,
o que sofrem e suportam,
o que não vemos, e o que vemos enfim.
E uma voz lá dentro dizia:
o que quer que faças
ao último e menor dos meus,
o fazes a Mim!
A Mim! Mas se tivesse a Visão
vindo a ele em farrapos,
como um mendigo implorando,
ter-se-ia ajoelhado em adoração?
Ou teria ouvido com escárnio
e ter-se-ia afastado com aversão.
Assim questionou sua consciência,
cheia de importuna insinuação,
quando, por fim, com passos apressados
em direção à sua cela sua face
contemplou o convento iluminado
por uma luz sobrenatural,
como uma nuvem luminosa se expandindo
sobre o chão, e pelas paredes e tetos subindo.
Mas parou com uma sensação de pasmo.
Em sua porta, no limiar, a Visão ainda lá estava
como antes dele a deixar,
quando o sino do convento assustador,
de seu campanário a chamar, a chamar,
intimou-o para os pobres alimentar.
Pela longa hora que mediou,
esperando seu regresso ficou.
E sentiu seu coração inflamado
compreendendo o significado,
quando disse o Vulto Amado:
Eu teria desaparecido, se tu tivesses ficado!
Henry Wadsworth Longfellow – Poeta Americano – 1807/1882